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quinta-feira, 26 de abril de 2012

As duas cidades de Santo Agostinho


Antonio Pinho

O marxismo define a história como um perpétuo conflito de classes: a burguesia e o proletariado, numa luta por dominação dos mais pobres pelos mais ricos. A retórica comunista pode parecer atraente, porém é falha. Os fatos da história comprovam como a teoria sócio-econômica de Marx está errada. Sempre que se colocou o marxismo em prática nas sociedades tivemos perseguição religiosa e mortes. Estima-se que o comunismo desde que foi criado tenha sido o responsável por mais de 100 milhões de mortes no mundo todo. Por esse simples cálculo, não sou comunista. Prefiro crer naquEle que trouxe a vida e a verdade para este mundo, e não naqueles que só trazem a morte e a mentira. Creio em Cristo, que é o Caminho a vida e a encarnação da Verdade.

Santo Agostinho, no livro A Cidade de Deus, por sua vez, fala de outro conflito. Esse é um conflito muito real e palpável: o conflito entre o bem e o mal. É a guerra entre a civitas Dei e a civitas diaboli, que em latim significa a cidade de Deus e a cidade do diabo. No presente, essas duas cidades convivem como que misturadas, porém os cristãos sabem que Deus resgatará a sua Cidade para a eternidade e destruirá de uma vez por todas a cidade do diabo.

Mas o que caracterizaria uma e outra cidade? É surpreendente como Santo Agostinho nos afirma que as duas cidades são movidas por uma única coisa: o amor. Ou melhor, dois amores totalmente opostos, inconciliáveis desde o princípio dos tempos.     

A cidade do diabo é movida pelo amor ao presente, ao mesmo tempo que gera um ódio pela eternidade, pelas coisas dividas, por Deus. É esse amor que leva ao amor extremado por si mesmo, que resulta no individualismo, o qual se esquece do próximo necessitado, que jaz na miséria e morre de fome. É esse amor o amor pelas glórias desse mundo, pelo poder e pelo dinheiro. Esse amor não se importa com as coisas que duram para sempre, pensa somente no hoje. Ao mesmo que esse amor é um ódio a Deus, ele faz o homem achar que é auto-suficiente, portanto, não necessita de Deus. Quem acredita que não necessita de Deus termina por se colocar no lugar de Deus. Infelizmente, essa atitude é tão comum na atualidade, e justamente por isso há tanto sofrimento no mundo. Quem pensa que é Deus está disposto a fazer qualquer coisa contra o próximo. Disso nascem as tiranias e as guerras. Enfim, a cidade do diabo terá o seu fim, como nos prometem os profetas da Sagrada Escritura.            

O fim da cidade do diabo significará a vitória final da cidade de Deus. Contudo, no presente, as duas cidades estão destinadas a conviver lado a lado, o que gera o maior conflito de todos os tempos, o motor da história humana: a luta de Lúcifer contra Deus.  A cidade do diabo é a causa a opressão e perseguição que sempre viveu a cidade de Deus. A cidade do diabo era a causa da escravidão a que os judeus foram vítimas nos tempos de Moisés. A cidade do diabo no século XX novamente oprimiu o povo judeu e provocou a maior guerra de todas, e no início do século XXI o maior atentado terrorista da história, em 11 de setembro. A cidade do diabo está viva e convive entre nós, como se fosse invisível. Apenas os habitantes da cidade de Deus podem vê-la, porque sentem na pele o sofrimento que é ser perseguido por pregar a palavra de vida e salvação de Cristo. E por amor e devoção ao anúncio da palavra de Deus, são mortos todos os dias. Morrem justamente porque amam Aquele que a cidade do diabo odeia, o Deus único e verdadeiro, criador e mantenedor de todas as coisas.

É estarrecedor saber que no século XX morreram mais mártires cristãos que em todos os outros séculos juntos. Na verdade os profetas já haviam anunciado que nos últimos dias o mundo seria palco de coisas terríveis jamais vistas, que aqueles que amam ao Filho de Deus seriam perseguidos e mortos por sua fé.

Contudo, é maravilhoso ver como após dois milênios de sofrimentos e perseguições, a fé em Cristo permanece viva, e continua gerando conversões. O fato de Cristo hoje curar e libertar tantas vidas demonstra que nossa fé é verdadeira. A cidade do diabo, porém, odeia a verdade, pois ela prefere inventar suas próprias verdades, que na verdade são enganos, armadilhas a afastar multidões da cidade de Deus.

A cidade de Deus é o puro amor, um sentimento que transcende o próprio eu, e nos leva a uma união perfeita com o Criador. A cidade de Deus é movida por um amor tão perfeito que ama até quem a odeia, persegue e mata seus moradores. Os habitantes da cidade de Deus amam tanto a Deus e ao próximo que chegam até a esquecer de si, porque não lhes importa morrer. Sabem que a alma é imortal, e para cultivá-la corretamente só o completo desprendimento das coisas do mundo levam a uma perfeita comunhão com Deus. Sendo imortal, a alma daquele que ama verdadeiramente a Deus retornará a Deus, enquanto a alma daqueles que o odeiam verão “a segunda morte: o lago de fogo” (Ap 20, 14).

Recordo-me de um dos maiores moradores da cidade de Deus: são Francisco de Assis. Este grande santo compreendeu como era inútil amar as coisas terrenas, que o tempo destrói. Numa demonstração de seu amor por Cristo, deixou tudo para trás, como tinham feito os primeiros discípulos de Jesus. São Francisco inclusive despiu-se de suas próprias roupas ao deixar a casa de seu pai. Transformou-se em mendigo aos olhos da cidade do diabo, mas riquíssimo à cidade de Deus. A ordem religiosa que fundou continua viva como nunca, passados tantos séculos. Tive a felicidade de visitar seu túmulo, na cidade de Assis, na Itália, e o local onde ele morreu, e pude pessoalmente observar como multidões, movidas por tão belo testemunho de vida, são atraídas a esses locais. A vida de são Francisco demonstra como os atos feitos com verdadeiro amor a Deus permanecem, não são esquecidos, ao passo que as ações da cidade do diabo estão fadadas ao esquecimento. Quem atualmente conhece o nome de três imperadores da mesopotâmia, que viveram a mais de três mil anos? Por outro lado ainda recordamos da vida santa de homens de fé como Abraão.   

O destino da cidade do diabo é a autodestruição, a morte e o esquecimento. Pela Palavra de Deus sabemos que o bem triunfará no final. O destino da cidade de Deus é a eternidade. Seus moradores saberão o que é a verdadeira vida, terão uma existência infinitamente plena e feliz. O tabernáculo de Deus, a nova Jerusalém “descida do Céu”, estará entre aqueles que crêem e morrem em Cristo. O próprio Deus encarnado, o Verbo, caminhará entre aqueles que tiverem seus nomes inscritos no livro da vida.      


Referência
AGOSTINHO, Santo. A cidade de Deus. 10 ed. Bragança Paulista: São Francisco, 2007.