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sexta-feira, 27 de abril de 2012

As cotas raciais e a falência do Estado democrático

Antonio Pinho

Na manhã do infeliz dia 27 de abril de 2012, ao acordar ligo o rádio e ouço a notícia de que o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar uma ação de inconstitucionalidade promovida pelo partido Democratas contra as cotas raciais da UNB, julgou constitucional que negros devem ter um estatuto privilegiado nos vestibulares. Ou seja, temos agora um grupo de brasileiros que, por causa de sua cor, ganha benefícios do Estado.
Pergunto-me sobre a seguinte situação. É justo que um negro de classe média alta seja beneficiado por cotas no vestibular, enquanto os brancos pobres não tenham acesso ao mesmo “direito”? No caso que dois vestibulandos, um negro de classe média alta e um branco pobre, concorram por uma vaga em universidade pública, e tirem a mesma nota, o negro terá sua vaga, enquanto o branco pobre terá de interromper seus estudos, o que enterra sua única possibilidade de tentar ascender socialmente. Isso é justo? Obviamente que não. Mas é isso que todo ano ocorre nas universidades que adotam as cotas raciais.
Tenho um amigo muito próximo, um jovem branco e pobre, que recentemente fez vestibular para a UFSC. Para sua infelicidade não se classificou, mesmo tirando boa nota. Ele me relatou que um colega seu do ensino médio, negro, tirou praticamente a mesma nota, para o mesmo curso na UFSC, e foi aprovado. Agora, enquanto seu colega negro está estudando em uma boa universidade pública, meu amigo é obrigado a ter que trabalhar para se sustentar, ganhando o piso salarial. O pior é que, por enquanto, meu amigo não tem recursos para pagar para estudar em uma universidade privada. Torço por meu amigo, para que um dia ele realize seu sonho de frequentar uma universidade pública.
Eu mesmo senti-me discriminado pelas afirmações, nem um pouco científicas, sobre o passado histórico do Brasil. Sou descendente de quarta geração de portugueses, do lado paterno, e do lado materno também descendo de portugueses. Não me constranjo de minhas origens, muito pelo contrário, orgulho-me. Meus ancestrais no Brasil trabalharam duro no Sul para ajudar a construir esta nação. Meu bisavô, inclusive, no final do século XIX, tinha alguns poucos escravos em sua pequena propriedade rural. Meu pai me contou que meu bisavô era conhecido na região onde morava por ser muito bondoso com seus escravos. Os negros gostavam de trabalhar para ele porque eram tratados dignamente, não sofrendo nenhuma espécie de violência física.
Agora o STF reescreve a história e demoniza os antigos escravocratas como a personificação do mal absoluto, como se todo proprietário de escravos fosse essencialmente cruel no relacionamento com seus negros. Esse imaginário do senhor de escravo cruel foi sendo progressivamente construído, porém não tem embasamento histórico. Iniciou mesmo no século XIX, durante o romantismo brasileiro. O romance A escrava Isaura de Bernardo Guimarães, por exemplo, pinta Leôncio, vilão e o dono de Isaura, como um homem totalmente insano, disposto a tudo, inclusive a destruir seu patrimônio, para poder possuir sexualmente sua famosa escrava branca. Com as adaptações televisivas desse romance, mais a atuação de ONGs demagógicas, reescreveu-se a história do Brasil, demonizando todos os antigos senhores de escravos, criando o mito da contemporânea segregação racial brasileira. A própria história de meus antepassados portugueses é mais um entre tantos outros indícios da mentirosa história que nos é contada. No Brasil do tempo da escravidão, apesar dos excessos que não devem ser escondidos, o negro livre tinha os mesmos direitos que o branco.
Nossa história antiga está repleta de negros políticos, padres, professores e intelectuais. Machado de Assis é o maior exemplo. Nosso maior escritor era negro. Lima Barreto, outro grande escritor, também era negro. Ainda no início do século XX tivemos nosso primeiro presidente negro, Nilo Peçanha. A trajetória desses e tantos outros brasileiros demonstra que, historicamente, o preconceito no Brasil é muito mais social que racial. No país do carnaval o pobre sempre foi discriminado, seja branco ou negro. Lembremos a famosa frase do personagem Caco Antibes, do programa Sai de Baixo, que se orgulhava em dizer que era um branco louro príncipe dinamarquês: “Eu tenho horror a pobre”. Usando o humor, o ator Miguel Falabella mostrou ao Brasil, durante anos, como é grande o preconceito social. O negro rico e com elevada escolarização não é alvo de casos extremados de preconceito racial. Outro fator que demonstra o baixo (até ínfimo) nível de preconceito na sociedade brasileira, é o grande percentual de miscigenação. Ao longo da história do Brasil são inúmeros os casos de casamentos inter-raciais. Os colonos portugueses não sentiam repulsa em casar com uma negra, mulata ao indígena. O próprio Machado de Assis em pleno século XIX casou com uma mulher branca. A grande miscigenação dos brasileiros é mais uma barreira para a política de cotas. Como definir quem é ou não negro ou índio? Já que a maior parte dos brasileiros tem traços genéticos de negros, brancos e índios misturados.
Por outro lado é a própria biologia quem afirma que não há raças humanas, mas apenas uma única raça. As variações de cor de pele e olhos, tipo de cabelo, formato de crânio e nariz são determinadas por diferenças genéticas muito pequenas, que não bastam para dizer que há mais de uma raça humana.       
Ao contrário das antigas colônias portuguesas, a colonização inglesa foi muito mais cruel com os negros. Nos EUA até os anos 60 do século XX, havia um regime de segregação racial, no qual os negros claramente não tinham os mesmos direitos que os brancos. Esse preconceito racial apesar de ter se reduzido um pouco, ainda é muito presente na sociedade americana. Outra colônia inglesa, a África do Sul, só viu seu sistema de segregação racial acabar muito recentemente, no início dos anos 90 do século passado. Esse sistema de drástica separação de etnias encontra origem no fato de que  colono inglês nunca aceitou ter relações sexuais com negras, ao contrário dos portugueses. Enquanto no Brasil, desde o início de sua colonização, o negro nascido de pais livres, ou que fosse alforriado, tinha os mesmos direitos que um branco.
Não estou aqui querendo defender a escravidão, que não é uma instituição aceitável, mas a verdade histórica não pode ser calada. Realidades diferentes devem ser analisadas de modo distinto. É fato que tanto nos EUA quanto no Brasil houve escravidão, mas nesses dois países a escravidão teve características sociais totalmente diferentes. Como acabei de mencionar, nos EUA de até os anos 60 o negro não era formalmente um escravo, mas jamais teria acesso aos mesmos direitos que um branco. Ao passo que no Brasil de todas as épocas, não importava se a raça era branca ou negra, qualquer homem livre tinha os mesmos direitos.
Os senhores do STF, mesmo sendo bem mais velhos que eu, parecem desconhecer a história social do Brasil. Parecem que desconhecem a própria constituição. Eles julgaram a ação movida delo Democratas, não em relação à constituição brasileira, mas em relação às suas convicções pessoais, o que não é correto. Por essa ação ilegal e tantas outras cometidas atualmente, o atual STF perdeu sua legitimidade, como instituição democrática. O STF está tomado por agentes esquerdistas que estão gradativamente desmontando o Estado democrático de direito, para a instauração de uma ditadura comunista. O STF perdeu sua legitimidade, pois a atuação de um juiz do Supremo – como qualquer outro juiz – deve ser pautada por questões técnicas, e não por convicções ideológicas ou filosóficas. Ora, a constituição afirma sem margem para dúvidas que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” (art. 5º, § I). Portanto, é claramente anticonstitucional qualquer medida que crie um sistema de desigualdades raciais, dando privilégios a certas etnias. Mas os senhores juízes do STF parecem mais analfabetos em história, e o pior, desconhecem a natureza da carta magna da Nação.
No segundo dia do julgamento do STF, dois índios foram expulsos da sessão por causar um pequeno tumulto enquanto protestavam. Esses dois índios querem também suas cotas. E pela lógica do STF, estão certos, porque se os negros têm cotas, os índios também devem ter. Mas para haver justiça deveríamos dar cotas a judeus, chineses, japoneses, alemães, polacos, italianos, espanhóis, portugueses, etc. Se damos cotas a uma etnia, temos que dar cotas a todas, para haver democracia. Se for assim, eu apoio o protesto do índio, já que contam que em algum ponto da árvore genealógica de minha família, um português casou com uma índia. Ainda não confirmei essa história, mas se eu for descendente de indígena – como a maioria dos brasileiros – também quero minha cota. Não, pensando bem não seria justo a outras etnias, seria um tiro contra a lógica e o bom senso. Além do mais, mesmo sendo estudante de escola pública de um bairro de classe média baixa e de pobres, não precisei de cotas na hora do vestibular.
A última atitude do STF é claramente antidemocrática, pois gera desigualdades entre iguais. É um atentado contra a constituição, e contra a própria educação, pois o ensino superior numa faculdade pública deve ser voltado para os mais capacitados intelectualmente, seja qual for sua cor, raça ou religião. A universidade existe para gerar cultura e ciência, e não para ser motivo de divisão racial e polêmica, descriminando o branco pobre.   
Diante de tantas arbitrariedades que o STF tem cometido nos últimos anos, tenho medo de saber qual será a próxima. Esperemos para ver.