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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Quaresma, origem e significado atual

A quaresma é esse período de quarenta dias que em os católicos fazem penitência em preparação a festividade da morte e ressurreição de Cristo – o maior acontecimento da história da Igreja, em todos os tempos, porque se Cristo não tivesse vencido a morte e ressuscitado, não haveria Igreja, muito menos salvação. Pois a salvação vem da Igreja, na observância de seus mandamentos e sacramentos.

Mas por que quarenta dias de penitência? Eis aí uma pergunta que pode estar na mente de muitos cristãos. Para explicar o que significa a quaresma (e sua duração) cito o livro A Doutrina Cristã, de Santo Agostinho:

“A ignorância dos números também impede compreender quantidade de expressões empregadas nas Escrituras sob forma de figura simbólica.

“Certamente, um espírito bem nascido sente-se levado a se perguntar o significado do fato de Moisés, Elias e o Senhor terem jejuado por quarenta dias (Ex 24, 18; 1Rs 19, 8; Mt 4, 2). Ora, esse acontecimento propõe um problema simbólico que só é resolvido por exame atento desse número. Compreende o número 40 quatro vezes 10 e, por aí, como que envolve o conhecimento de todas as coisas incluídas no tempo. Pois é num ritmo quaternário que prossegue o curso do dia e do ano. Divide-se o dia em espaços horários de manhã, do meio-dia, da tarde e da noite. O ano estende-se nos meses da primavera, do verão, do outono e do inverno. Ora, enquanto vivemos no tempo, devemos nos privar por abstinência e jejum dos prazeres que o tempo nos proporciona. É certo, aliás, que o próprio curso do tempo ensina-nos a menosprezar o tempo e desejar a eternidade. Por outro lado, o número 10 simboliza o conhecimento do Criador e da criatura, pois 3 designa a Trindade do Criador e 7, a criatura, considerada em sua alma e em seu corpo. Com efeito, na alma, há três movimentos que levam a amar a Deus de todo coração, de toda a alma e de todo o espírito (Mt 22, 37). E no corpo, estão bem manifestos os quatro elementos que os constituem. Consequentemente, este número denário move-nos à ciência [ou seja, conhecimento] do tempo. Isto é, voltando quatro vezes, adverte-nos para vivermos na castidade e na continência, desapegados dos deleites temporais, e prescreve-nos jejuar quarenta dias.

“Eis o que nos explica a Lei personificada em Moisés; eis o que mostra a profecia, representada por Elias; eis o que nos ensina o próprio Senhor. Apoiando-nos no testemunho da Lei dos Profetas, ele apareceu em plena luz, entre essas duas personagens, sob os olhos dos tres discípulos tomados de espanto (Mt 17, 2.3)” (pág. 113).
Temos então as sábias palavras de Santo Agostinho. O número 40 é então símbolo da plenitude, e a plenitude da revelação está na encarnação do Verbo. Jesus, cheio do Espírito Santo, após seu batismo nas águas, é levado ao deserto em jejum. Este é um ponto decisivo na vida de Jesus, pois sua retirada ao deserdo é o último ato que faz antes de entrar definitivamente na vida pública. É a “conversão” de Jesus de marceneiro a profeta. Como Deus aspira que todos sejamos profetas – o dom da profecia é o mais elevado dos dons carismáticos -, a Igreja no período de 40 dias antes da Páscoa nos convida a imitar Cristo, ou seja, fazer penitência para que nós também nos convertamos segundo a vontade do Espírito.

Mas a penitência no mundo moderno não é só jejuar, como se fazia no passado. Há diversas formas de penitência eficazes no fortalecimento da fé e da caridade. Porque a penitência não deve ser uma ato sem significado concreto ao cristão, ela deve nos levar a conversão, e conversão significa enraizar-se mais na fé e na prática do amor (caridade). Portanto, podemos nos privar de comprar algo e doar esse dinheiro a uma obra de caridade ou a Igreja; podemos nos abster de um certo alimento que apreciamos muito; podemos de deixar de frequentar festas; ajudar uma família necessitada; doar alimentos; etc. São tantas as formas de praticar a caridade que não daria para listar aqui. O importante é que esses atos exteriores nos levem a uma transformação interior. Por isso quaresma é antes de tudo um tempo de transformação pessoal, no qual nos empenhamos para que nosso coração seja cada vez mais semelhante ao coração de Jesus.

Referência
AGOSTINHO, Santo. A doutrina cristã. 2 ed. São Paulo: Paulus, 2007.