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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Carnaval e violência (contra a inteligência)

O nível de democracia e liberdade numa sociedade é inversamente proporcional a quantidade de espetáculos encenados. Ou seja, quanto mais nossa sociedade se torna totalitária, maior é o número de grandes espetáculos fornecidos pelo sistema para distrair o povo. Essa é uma verdade válida para os grandes impérios totalitários da história. Não precisamos regressar ao tempo do Império Romano pagão, com sua política do pão e circo como iniciativa para domesticar as massas, para que estas não se revoltassem contra o sistema. Fiquemos no século XX. Os impérios nazistas e comunistas adotaram a estratégia do espetáculo como arma política para controlar o povo. Basta ver os vídeos dos grandiosos desfiles militares, que eram os espetáculos preferidos da época. Mesmo com a queda oficial do comunismo na União Soviética, na Rússia ainda são feitos desfiles no mesmo estilo faraônico do tempo de Stalin.

Nesses regimes o espetáculo, no qual se exibe o poder bélico da nação, provocava um grande efeito psicológico no povo. Armas de alta tecnologia são sinais evidentes de poder e domínio. Como os governos comunista e nazista se diziam populares, sendo o exército uma força estatal, o povo se sentia parte daquele poderio. Inconscientemente, o espetáculo bélico provocava orgulho no povo de pertencer a uma nação tão poderosa, que pode colocar “medo” nos adversários, um poder que pode dominar sobre qualquer povo mais fraco. Na verdade, essas manifestações públicas em que mísseis transcontinentais eram exibidos em paradas militares evidenciavam como uma grande nação estava refém de uma cúpula imunda de poder onipotente e onisciente, contra a qual nenhuma liberdade individual poderia resistir. Todos aqueles que se manifestavam contra o poder estatal foram fisicamente eliminados. O espetáculo soviético e nazista servia para desviar as atenções, e para construir um imaginário popular de poder e prosperidade nacional, quando na verdade havia repressão violenta, retrocesso e pobreza.

A sociedade do espetáculo hoje continua igual ao tempo soviético e nazista, com a mesma eficácia. O pior é que se tornou operacionalmente mais eficiente. Hoje os opositores do sistema dificilmente são fisicamente eliminados. Eles são isolados, estão cercados por um mar de idiotas. Também lhe tiraram a voz, pois na mídia também não há lugar para a liberdade e inteligência. Criar uma máquina que reprime pela violência é muito caro e psicologicamente negativo, pois estímulos negativos causam revolta dos que são condicionados a docilidade. O comunismo e o nazismo com sua máquina de morte geraram um oceano de opositores. A psicologia comportamentalista (o behaviorismo) mostrou que os estímulos positivos produzem mais efeitos na domesticação que os efeitos negativos. Vejam como se torna um cão totalmente obediente ao seu dono. Não se bate no animal. Muito pelo contrário, se o cão faz aquilo que o treinador quer, lhe dá comida. Isso é feito repetidas vezes, até que chega o dia em que o cão está condicionado a fazer aquilo que seu treinador quer, porque sabe que isso lhe traz um benefício, comida. O cão submete-se ao humano em troca de um prêmio que é a comida.

O condicionamento das massas dá-se igual ao treinamento de cão. O espetáculo é a isca que o treinador dá, e a massa abana seu rabo, sente “livre” para se divertir como quiser – ao mesmo tempo em que é invisivelmente dominado pelas garras de um sistema totalitário. Pode parecer cruel, mas é a pura verdade: todos somos domesticados como cães sem que saibamos disso. Hoje há engenheiros sociais que se utilizam dos conhecimentos de psicologia e sociologia acumulados nos últimos 150 anos para conduzir as massas ao rumo esperado. Seu objetivo, entre tantos outros é moldar a mentalidade do povo de acordo com o interesse do poder econômico, aqueles que estão no ponto mais alto da pirâmide social. Claro que você não achará uma faculdade e ofereça um curso e engenharia social. São poucos os indivíduos que possuem esses conhecimentos, e são muito complexos os meios de que se valem para manipular o povo. Mas quem manipula o povo? O governo? Não, porque o governo também é manipulado. A engenharia social é praticada por aqueles que manipulam o governo, que se ocultam por traz de fantoches democráticos – os três poderes do estado plutocrático de direito.

A engenharia social descobriu com o tempo que é mais eficiente condicionar as massas com estímulos positivos (como o carnaval), que não causam revolta, do que com estímulos negativos – campos de concentração, prisões, câmaras de gás, morte dos adversários. Os estímulos positivos continuam sendo os espetáculos, que não são mais militares, mas “artísticos”, principalmente através de som e vídeo. A indústria da música, da mídia e do cinema são as principais formas de estímulos positivos para distrair o povo. A proliferação dos espetáculos mundiais de música serve para condicionar as massas, ou melhor, condicionam seu subconsciente. A proliferação dos espetáculos esportivos também segue a mesma lógica, distrair e condicionar. O pior é que a cultura do espetáculo que se expandiu por todo o globo durante o século XX não apenas distrai, mas também idiotiza o povo. Para verificar essa tendência a idiotização das pessoas, basta hoje indagar um senhor de 90 anos sobre a juventude de sua época. Ele dará um claro diagnóstico de como a situação hoje piorou. Em grande parte das rodas de jovens hoje não se trata de política e de temas que realmente interessam. As conversas da atual geração são em 99,9% dos casos as maiores banalidades imagináveis. A experiência mais rara que tenho é ouvir na rua duas pessoas tendo conversas realmente produtivas. Quanto menor a faixa etária, piores são os temas. Não digo que as pessoas devam sempre ter conversas intelectuais, mas o que preocupa é que as pessoas não tenham jamais conversas intelectuais. Isso demonstra que de fato os engenheiros sociais estão tendo sucesso no seu trabalho, que é condicionar a massa por meio da sociedade do espetáculo. Domesticam e idiotizam o povo. Se ninguém resiste a isso, o sistema de poder conduz o gado para onde quer, porque é isso que os que realmente tem poder (econômico) pensam do povo, que é gado.

O carnaval brasileiro é só mais uma forma de estímulo positivo, outro instrumento nas mãos do “domador”, mais um diante de tantos outros. No resto do mundo há inúmeros, que não caberia aqui listar e analisar com detalhes. A única esperança contra essa matrix na qual nos colocaram é o conhecimento, o qual só se adquire por conta própria, tendo a boa curiosidade (aquela que nos faz sempre buscar a verdade dessa vida) e muita vontade própria. O conhecimento hoje, como sempre, continua sendo a grande arma contra a alienação.

A parada militar soviética continua hipnotizando o povo, só trocaram o míssil transcontinental pelo carro alegórico, e o pelotão de soldados pela ala das baianas. Afinal de contas, espetáculo é sempre espetáculo.

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