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quinta-feira, 15 de março de 2012

Manifesto contra minha geração

Ontem, no centro da cidade, eu estava na fila esperando o ônibus que me conduziria a meu bairro, e tive o desprazer de ouvir uma conversa que preferiria não ter ouvido. Logo atrás de mim estava uma mulher que aparentava ter mais de 40 anos. Após estar uns três minutos ali esperando o ônibus, chegou um rapaz, que por sinal estudara com meu irmão, e era conhecido dessa mulher da fila. Para falar a verdade, a coisa que menos gosto quando estou no ônibus é quando dois conhecidos se encontram e começam a conversar perto de mim. Não é em si pelo fato de conversarem perto de mim, mas por eu ser obrigado por meia hora ou mais a escutar sobre as mais variadas banalidades. Mesmo que eu queira não ouvir, não posso colocar as mãos nas orelhas durante toda a viagem, para evitar que esse tipo de lixo sonoro entre em meus ouvidos. Ainda que se desvie a atenção para o que se passa na rua, algo ainda acaba se ouvindo. Existiria como saída usar fones de ouvido, mas não gosto deles para ouvir música, mesmo porque no ônibus prefiro pensar, e a música torna-se uma distração para o pensamento. É triste ouvir a conversa de pessoas sem grandes expectativas e sonhos diante da vida. Mesmo não querendo, acabo ouvindo uma orquestra de banalidades, pessoas que fazem a proeza de gastar seu tempo falando sobre nada. De minha parte prefiro ir só para minha casa, só eu com meus pensamentos. Tenho esse hábito de no ônibus pensar sobre minha vida e trabalho. Muitas vezes resolvo algumas questões só no pensamento. Vou formulando, por exemplo, mentalmente problemas sobre os quais pretendo escrever. Por isso é bom não ter distrações por perto, como pessoas falando banalidades. Felizmente, devido à colonização europeia (alemã, italiana e portuguesa), no sul do Brasil as pessoas são mais “fechadas” e reservadas, por isso no ônibus geralmente as pessoas não conversam. Se for para ouvir somente de bobagens, melhor o silêncio.

Porém, ontem tive o desprazer de ouvir essas duas pessoas conversando atrás de mim. Nisso houve um ponto positivo: foi uma experiência quase antropológica, observar o comportamento de humanos em sociedade e abstrair certos padrões. Acabei aprendendo.

Quando entrei no ônibus e sentei, fiquei torcendo para que eles sentassem bem longe de mim, para não ter de ouvi-los. Para meu azar sentaram relativamente perto, mas o barulho do trânsito e do motor do ônibus abafaram suas vozes. Contudo, entre o instante em que o rapaz chegou ao ponto e o momento em que entrei no ônibus, ouvi fragmentos de uma conversa que me levaram a uma reflexão solitária, que por sua vez me levou a escrever esse texto. O rapaz relatou a mulher que estava na segunda fase de sua faculdade (pelo meu irmão eu já sabia que ele cursava Educação Física na Universidade Federal, que também havia me revalado que esse rapaz só entrou na faculdade por causa das cotas raciais). Além disso, falou a mulher que estava estudando para fazer um concurso para a Caixa Econômica. Ele concluiu com a frase: “Se eu passar estou feito”.

Dias antes tinha tido uma conversa com um amigo justamente sobre isso. Essa frase mostra bem os mais altos ideais da atual geração (dos que nasceram nos anos 80 e 90). Eu tinha falado a meu amigo que o maior objetivo de nossa geração é passar num concurso público, ser mais uma pequena engrenagem na gigantesca máquina onipotente do Estado. Esse ideal oculta uma constatação muito clara: ou você se torna um “escravo” nas mãos da iniciativa privada para ganhar 800 reais por mês, ou você se torna um “escravo” nas mãos do governo. Neste ultimo caso, com a “pequena vantagem” de ter um salário acima da média do trabalhador assalariado. Não há muita opção para minha geração. Para a grande maioria só há essas duas opções. O pior é que minha geração se deixa alienar por essa situação, e sente-se feliz com isso. Não há protestos e iniciativas organizadas para mudar o atual estado de coisas. Resignamo-nos diante da sociedade que nos é imposta pelos que têm o poder político-econômico. Não digo que são todos “escravos”, mas o são todos aqueles que abandonam seus sonhos e vocações para se enquadrar em um desses dois grupos.

Se o jovem não vem de uma família de empresários e políticos, só lhe resta submeter-se a ganhar os baixos salários da iniciativa privada, ou abandonar seus sonhos para ser funcionário público. Não digo que seja vergonhoso pretender uma vaga no serviço público por meio de concurso, mas deve pretender isso se realmente for essa sua vocação. Ser funcionário público deve ser uma opção livre, resultado de sentimento interior mais profundo, e não a única opção de ascensão social. Infelizmente os jovens sabem que na iniciativa privada vão ganhar pouco, sua única porta de fuga para uma vida melhor – segundo pensam – é um concurso, e “se encostar” numa repartição do governo. Isso realmente não é liberdade.

Desejar ascender socialmente não é vergonhoso. O que mostra a pequenez da sociedade brasileira é que a juventude sonha isso apenas por meio do funcionalismo público. A criatividade inerente ao jovem é podada pela educação e pelo meio em que vivem. Numa sociedade saudável haveria várias formas de honestamente ascender socialmente, como por meio da livre iniciativa, com pequenos empreendimentos comerciais, ou pelo estudo, tornando-se um profissional liberal ou um professor. Ocorre que mesmo os que estudam direito atualmente, em sua grande maioria, não sonham em montar seu próprio escritório para por conta própria ganhar seu dinheiro; pelo contrário, em vez de desejarem em primeiro lugar ser um profissional liberal, querem também o concurso público.

Esses fatos mostram o gigantismo do Estado no Brasil, o que é um perigo para a democracia, pois o poder torna-se cada vez mais centralizado e onipresente – tudo passa a girar em torno do governo, inclusive os ideais de vida da juventude. Creio que o tamanho Estado deve ser mínimo, apenas impedindo que abusos contra a liberdade individual sejam cometidos. Mas no Brasil se dá o contrário, o Estado cresce a cada ano e limita cada vez mais a liberdade do cidadão. Torna-se tão grande, que até os sonhos dos jovens é fazer parte dele. Formam-se como que duas castas, os do “Partido” que são políticos e os tecnocratas (com o baixo clero do funcionalismo público), e os escravos que estão fora do Estado e nas mãos da iniciativa privada, a qual vive intimamente ligada ao Estado. Ou seja, quase tudo no Brasil é controlado direta ou indiretamente pelo Estado. Isso demonstra que de fato estamos vivendo um momento em que o atual governo está desmontando as bases da democracia e do capitalismo, as quais lentamente são substituídas pelo modelo comunista. Na Coreia do Norte também é assim, ou você é do Partido, desfrutando das vantagens dessa posição, ou você é escravo do Partido. Esse é o caminho que o Brasil está trilhando. Hoje são pequenos os espaços autênticos de liberdade. Num futuro muito próximo (se é que esse futuro já não chegou) todos estarão trabalhando para o governo, ou como funcionário público, ou como um assalariado, dando, por meio dos impostos, 40% de sua renda para sustentar o Estado.

Por isso tudo não me sinto como parte de minha geração. Não tenho como única meta de vida fazer parte do governo. Sonho mais para minha vida. Fico revoltado ao ver que os ideais de vida de minha geração são os mais limitados e baixos possíveis. Na verdade não há ideais, o que há são somente aspirações materiais. Os únicos desejos são: bom emprego (que seja público), sexo, boa casa e bom carro.

Não é vergonha querer ter bens materiais, mas eles não devem ser a meta final, mas a consequência de uma aspiração mais nobre que não passa primordialmente pelo dinheiro. Devemos em primeiro lugar lutar por nossos sonhos – estudar para ser um profissional bom e honesto com vocação, empenhar-se por abrir um negócio próprio, etc. Qualquer profissão deve ser vista primeiro como uma missão, e a vida familiar também é uma missão. Devemos buscar a excelência em nossas atividades e relacionamentos, isso traz felicidade no trabalho e na família. A excelência é aquilo que traz a prosperidade. A vida deve ser vista como uma missão, cuja meta maior é a busca pela felicidade, que não deve ser individualista. Nossa felicidade individual passa pela busca da felicidade do próximo, que é toda a pessoa com quem convivemos. Mas quando a primeira meta é a prosperidade material, toda a busca pela felicidade se torna sempre frustrada. Se o alvo é a prosperidade material somente, a felicidade autentica foge a cada passo dado. O que ocorre é que minha geração não é feliz justamente porque pensa primeiro em “ficar feito”, e abandona toda visão mais elevada da vida. Minha geração tornou-se vazia, e por isso é deprimida. Esse vazio é consequência da falta de sentido mais profundo das coisas – trabalho, família, religião, sociedade, nação. Sonha-se com o dinheiro, com o qual se compra diversão. É o prazer pelo prazer como objetivo de existência. Essa é a sociedade que substitui a cultura pelo entretenimento, a arte pelo espetáculo.

Não hesito em afirmar que minha geração é uma geração perdida. Que frutos bons podem nascer de uma geração moralmente corrompida, para a qual as atividades sociais são hedonistas e fúteis? Que grande obra pode deixar uma geração que despreza o amor a sabedoria e a cultura? Que herança pode deixar uma geração que mede o valor de tudo pelo pragmatismo e pelo utilitarismo? Que valor tem uma geração que não se interessa em adquirir conhecimentos que não se prestam a uma utilização imediata para a obtenção de dinheiro? Que valor tem uma geração que poda conscientemente as aspirações elevadas do espírito para viver de modo animalesco, tendo como guias únicos o estômago e a vontade pelo sexo? Que consciência da verdade pode ter uma geração que inverte o senso de realidade, para a qual a verdade torna-se mentira, e a mentira transforma-se num dogma inquestionável? Que futuro pode ter uma geração que desconhece seu passado, que vai a faculdade, mas é analfabeta em história e política? Que alma pode ter uma geração que só mira o prazer que se pode obter com o uso do corpo como objeto? Disso tudo o que mais preocupa é fato de que a história que estamos escrevendo será lembrada como um grande vazio, pois há um ponto no vale que uma vez alcançado, dele não podemos continuar descendo, decaindo eternamente.

Por todos esses motivos não me sinto como parte dessa geração. Sou um exilado em meu próprio tempo.

Somente me resta uma consolação: saber que, por milagre, uma minoria ainda restou sem ser contaminada pela decadência desse século. Esses jovens são “a luz do mundo”, motivo pelo qual vale a pena viver e lutar.