Antonio Pinho
Reinaldo Azevedo considerou Niemeyer como “metade gênio e metade idiota” (1). A metade gênio seria sua atividade como arquiteto, a metade idiota sua postura política. Creio que Reinaldo Azevedo está só a metade correto. Errou ao usar o adjetivo gênio. Melhor seria usar em seu lugar um antônimo.
Em janeiro de 2009 (2), Niemeyer não teve o mínimo constrangimento em elogiar a atuação de Stálin. Não se contentando em ficar só no elogio, partiu para a defesa de suas ações. É um truísmo falar a qualquer um, que tenha o mínimo conhecimento da história do século XX, que Stálin foi um dos maiores criminosos da humanidade, responsável pela morte de milhões na antiga União Soviética. Stálin, que na juventude fora um assaltante de bancos, eliminou fisicamente todos os que se opuseram a sua política psicótica, inclusive seus camaradas da revolução de 1917. Na década de 30 do século XX, quando implantou o programa de coletivização das propriedades rurais, milhões de pessoas morreram de fome. Para ser mais exato, Viktor Suvorov calcula que entre 3,5 a 5 milhões de pessoas “morreram de fome, e de 3 a 4 milhões pereceram no exílio” (3). Diante da fome, a população russa regrediu ao nível animal praticando canibalismo para sobreviver. Com extensa documentação Suvorov comprova como Stálin desde o início planejava deflagrar a II Guerra Mundial para estender a miséria do comunismo a toda a Europa, e depois a todo o mundo. Os dirigentes da União Soviética queriam por meio de guerras e revoluções unificar todas as nações do mundo num governo mundial comunista. Stálin conseguiu deflagrar propositalmente a II Guerra Mundial, o que o torna responsável pela morte das 50 milhões de pessoas que pereceram na maior guerra da história humana. A esses milhões de mortos somam-se outras tantas dezenas de vítimas de perseguição política e religiosa no interior dos territórios comunistas controlados por Stálin. A defesa da memória de Stálin por Niemeyer, torna nosso famoso arquiteto cúmplice moral de toda vítima do comunismo. Quem é cúmplice do crime transforma-se igualmente em criminoso. Ao que parece, Niemeyer nunca sentiu remorso pelas dezenas de milhões dos que morreram por causa do comunismo que ele tanto amou e defendeu em vida.
Os dados objetivos fornecidos pela história fazem de Stálin um dos grandes assassinos da história universal. Não há como negar esses fatos. No entanto, para Niemeyer, isso tudo é pura mentira, invenções de capitalistas para difamar o maravilhoso comunismo. Vejamos as próprias palavras de Niemeyer:
“Uma obra fantástica do historiador inglês Simon Sebag Montefiore, sobre a juventude de Stálin, que tem alcançado enorme sucesso na Europa, reabilitando a figura do grande líder soviético, tão deturpada e injustamente combatida pelo mundo capitalista.”
Noutra parte do mesmo artigo ainda comenta:
“E volto a lembrar daquele livro, a figura de Stálin ainda muito jovem, sua paixão pela leitura, o seu interesse nos problemas da cultura, das artes e da filosofia, sempre a cantar e dançar alegremente com seus amigos.”
Que idílica imagem de Stálin nos dá a mente genial de Niemeyer! Stálin parece tão inofensivo quando Michael Jackson, que tanto gostava de brincar com seus amiguinhos “dançando e cantando alegremente” pelos jardins de Neverland. Quando vamos aos fatos, a história real da União Soviética e da vida de Stálin, o que se revela é um homem psicótico, sem o mínimo amor a vida humana. Todos que se colocassem entre ele e seus objetivos utópicos do domínio mundial deixavam, em sua mente, de ser humanos, convertendo-se em coisa, objeto inútil a ser removido. Característica clara da mente do psicopata, para o qual não existem valores morais. Tudo é permitido para se alcançar um objetivo. No caso de Stálin, matar milhões em revoluções e guerras – mais precisamente numa nova guerra mundial – para alcançar o poder mundial.
Niemeyer reproduz a lógica expressa na frase tão citada por Olavo de Carvalho, atribuída a Lênin: “xingue-os do que você é, acuse-os do que você faz”. Quem oprime, mata milhões e causa miséria são os capitalistas, ao passo que genocidas psicóticos como Stálin e Lênin são os libertadores, aqueles que trazem a paz e a prosperidade à humanidade, criando um mundo novo muito melhor, mais justo e fraterno. Como procedimento facilmente detectável na mentalidade revolucionária, estamos diante de mais um caso de inversão da realidade. É próprio da mentalidade revolucionária – como a mentalidade comunista dentro da qual raciocina Niemeyer – inverter totalmente a estrutura do real, no presente caso, a inversão da história, vendo no agressor a vítima, no tirano o libertador, no assassino psicótico o messias, no destruidor o salvador.
Nos anos 80 do século passado, Léo Villaverde já defendia que o marxismo se baseia totalmente no princípio da inversão (4). Todos os valores e instituições do ocidente cristão são invertidos pelos marxistas. Sua luta por um mundo melhor revela-se a luta por sua destruição. Villaverde vê isso em todos os ramos da vida: música, pintura, costumes, religião, família, arquitetura. Tudo o que é tocado pelo marxismo é invertido.
A degeneração das belas artes é algo óbvio para todo cidadão de bom senso: até objetos criados do lixo que nada significam ou representam são tidos como obras de arte de igual valor a Vênus de Milo.
Os princípios da religião são invertidos na própria negação de Deus. Quando Marx diz que a “religião é o ópio do povo”, para chegar à verdade, por meio dessa afirmação, basta invertê-la e chegamos à conclusão que o verdadeiro ópio do povo é o marxismo. Há também outras possibilidades por meio da inversão. Qual seria o oposto de ópio? Entendendo ópio como aquilo que afasta o indivíduo da realidade, alienando-o, aprisionando-o, a religião se mostra como aquilo que une o homem a realidade última e verdadeira que é Deus. Assim procedendo a religião liberta o homem, como prometia o próprio Cristo: “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. O princípio da inversão, que no fundo é de natureza satânica, toma o ensinamento bíblico, gira-o em 180 graus, e por fim temos a máxima de Marx, que iguala a religião à droga. Assim entendemos que sempre que um marxista promete libertar o trabalhador de uma sociedade opressiva, na verdade está lutando pelo seu inverso. A experiência histórica, desde a Revolução Francesa, mostra que a vitória de uma revolução representa o triunfo de expressões máximas de violência e escravidão, que denominamos de totalitarismo.
O equivalente do marxismo nas artes é o movimento de vanguardas do início do século XX. Desde antes da Grécia antiga, a arte significava a representação do belo. Aplicando aqui novamente o princípio da inversão, temos movimentos de vanguarda fazendo com que a arte passasse a representar o feio, o grotesco. Na verdade, até nem podemos afirmar que a arte de vanguarda representa o feio, porque ela nada intenta representar, no sentido de representação como o registro artístico da realidade, como a pintura figurativa. A arte de vanguarda perde seu total vínculo com a realidade e com a tradição legada pela história. Invertendo o sentido e a função da arte, o movimento de vanguarda a esvazia de sentido e função, ou seja, a destrói.
Chegamos à arquitetura modernista. As ideias arquitetônicas de Niemeyer (bem como de Le Corbusier e da escola Bauhaus) estão totalmente inseridas dentro da lógica marxista da inversão. Não é possível, como defendeu Reinaldo Azevedo, separar a postura política de Niemeyer de sua obra como arquiteto, que apesar de ter defendido as atitudes de um genocida como Stálin, é possível ver qualidades geniais nos edifícios que projetou. Não. Esse raciocínio não é possível. As linhas dos edifícios famosos de Brasília saíram da mesma mente que via em Stálin virtudes heróicas. Temos visto que a lógica marxista é totalmente uma lógica da inversão. E os efeitos do marxismo na história da humanidade demonstram muito bem isso, bem como a biografia de tantos comunistas famosos. A estrutura cognitiva de quem está acostumado a raciocinar dentro da lógica marxista acaba, inconscientemente, invertendo o sentido de tudo que os sentidos do corpo lhe envia ao cérebro. Quando a inversão não é possível, resta a ocultação dos fatos. Não escutamos um marxista que se refira as montanhas de corpos humanos que suas revoluções empilharam ao longo da história dos últimos dois séculos. Eles simplesmente ignoram esses fatos da realidade. E quando confrontados com essa realidade, afirmam simplesmente que os milhões de mortos pelo comunismo são propaganda mentirosa dos “porcos” capitalistas. Invertem a realidade e não vêem que esses não são acidentes, desvios do verdadeiro comunismo. Não vêem que causar genocídio é a conseqüência lógica e automática sempre que o comunismo é implantado. Uma mente que ignora os dados da realidade, quando não os invertendo, interpretando o presente e o passado sempre em vistas dos benefícios de uma utopia futura que nunca chega, tem muita probabilidade de encarar todos os aspectos da vida pela mesma lógica da inversão. A arquitetura modernista, produzida por indivíduos como Niemeyer, é produto da mentalidade revolucionária. Os mesmos esquemas cognitivos comunistas usados na interpretação e modificação da realidade são aplicados também na arquitetura. A arquitetura modernista é, portanto, uma extensão da ação revolucionária marxista, que tem seu centro na ação política, e tentáculos que abraçam todos os aspectos da vida humana como as artes e a religião. Todos os aspectos da vida humana tocados e transformados pelo marxismo são esvaziados de sentido. A própria vida perde seu sentido e propósito, porque se o homem e todo o universo são frutos do acaso, vêm a existência do nada e ao nada voltam. Para um comunista, extirpar milhões de vidas em nome de uma utopia é nada fazer, pois aquelas vidas voltaram ao nada de que vieram.
A arquitetura modernista de Niemeyer é também uma ação política, e não é possível separar sua estética de sua postura ideológica diante do mundo. Essa postura é a da transformação do mundo por todos os meios, inclusive pela violência (não é a arquitetura modernista uma violência visual?). A ideia de transformação não é em si nociva, mas a transformação do mundo num novo mundo implica, necessariamente, na destruição do antigo. O antigo mundo é justamente a Civilização Ocidental cristã. A destruição marxista não opera somente no plano da religião e da economia baseada na livre iniciativa, como estamos costumados a pensar. A destruição é também estética, envolvendo todas as artes e a arquitetura. Na arquitetura há uma completa negação, por parte do modernismo, dos valores clássicos legados pela tradição ocidental. Se na religião negam Deus e os valores absolutos, na arquitetura negam o conceito clássico de belo e harmônico. Mais uma vez, a lógica marxista na arquitetura inverte os seus princípios, destruindo-os. Fica-nos o vazio e os escombros. Nossa realidade hoje, nesse início do século XXI, é uma sociedade de vazios e escombros.
Uma coisa que me chama a atenção é a drástica diferença entre os edifícios construídos antes e depois da II Guerra Mundial. Há um abismo enorme na estética arquitetônica entre um período e outro. Num espaço de poucas décadas o mundo viu-se inundado por prédios que eram diferentes de tudo que existira em todos os séculos anteriores. Trata-se de uma ruptura total com o passado, que é esquecido, para não dizer destruído. Ora, não é essa ruptura com o que era a arquitetura de antes da II Guerra Mundial uma atitude revolucionária? A descontinuidade é algo próprio a essência da revolução. No lugar de construir um mundo mais belo, a arquitetura modernista deu status de belo ao grotesco e feio. Perde-se a noção de harmonia e simetria, não há mais afrescos ou esculturas nas fachadas. Impera o puro funcionalismo, o que não tem função estrutural, mas puramente estética, deixa de existir. Impera as fachadas lisas: reina o concreto e o vidro. Assim é a estética destrutiva de Le Corbusier. Seu discípulo, Niemeyer, é ainda mais destrutivo, suas curvas em concreto criam estruturas sem função.
O modernismo na arquitetura gera edifícios sem conexão com a história do local. Diante das obras monumentais de Niemeyer em Brasília o indivíduo vê-se anulado e a história apagada – nada é despertado em nosso espírito, não nos gera uma experiência estética. Diante desses monstros modernos o vazio toma conta de nossa alma. Quando entramos na Basílica de São Pedro, no Vaticano, a experiência é totalmente inversa. A beleza arquitetônica de seu conjunto – a riqueza dos afrescos e esculturas – eleva o espírito ao infinito, a um sentimento do eterno. A beleza física do local, beleza terrena e perene, baseada na síntese estética dos períodos passados, leva-nos a noção do belo eterno, metafísico. Há como comparar a sublime beleza da basílica de São Pedro com Brasília? Seria como comparar as pinturas em cavernas de tempos pré-históricos às obras de Michelangelo.
Referências
(1) Reinaldo Azevedo. Morre Niemeyer, metade gênio e metade idiota. http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/morre-oscar-niemeyer-metade-genio-e-metade-idiota/
(2) Oscar Niemeyer. Quando a verdade se impõe. Folha de São Paulo. 9 de janeiro de 2009. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0901200908.htm
(3) Viktor Suvorov. O grande culpado: o plano de Stálin para iniciar a Segunda Guerra Mundial. p.34.
(4) Léo Villaverde. A natureza mística do marxismo.